12/03/2007

Impotência

Por Mayara Evangelista

Sábado oito horas da manhã. Ponto de encontro, estação Sé do metrô. Ali começava mais uma de nossas aventuras. Sempre é assim quando saímos a campo, a vida de quase jornalistas é bem corrida. A cada entrevista, devo confessar que aprendo muito mais do que em longas e, as vezes, cansativa aulas. Compreendi com o tempo. Não existe aprendizado maior do que com a vivência do ser humano e como ser humano. Aliás, essa prática tão produtiva deveria ser um hábito, especialmente entre os estudantes de jornalismo. Pensamentos à parte, pois bem, vamos lá.
Pela Rua Benjamim Constant caminhávamos rapidamente. A rua já estava movimentada àquela hora da manhã de um sábado. As filas do ônibus então, nem se fala. Nosso destino, Brooklin. Fomos até o final da Benjamin, aos poucos o movimento foi diminuindo e o frio do concreto aumentando.
De repente, um puxão. Não, não foi um “trombadinha” tentando me assaltar não. O puxão foi no braço de um rapaz que estava a uns 10 passos a nossa frente. Ele aparentava ter uns 22 anos, a roupa de moleton azul escura, sua pele brilhosa, sua expressão o conjunto por si só era difícil de se ver. Portador de deficiência física se apoiava nas muletas que trazia consigo, ele andava com dificuldade. Além do pé entortado por uma possível má formação genética as ruas estavam desniveladas. Na verdade, aquele rapaz parecia ter mais do que uma deficiência física, seu semblante era sofrido é quase certo que seu caso tinha alguma patologia a mais associada. O homem que o acompanhava estava com a barba por fazer, usava boné azul e branco que escondia parte dos cabelos crescidos, suas roupas estavam sujas e de longe se percebia, estava alcoolizado. Com força ele gritou: “Anda rápido! Quem anda devagar é moça!”
Estática, “passada”, sem nenhuma reação. Foi assim que fiquei. Impotência. Talvez seja a tradução fiel do que senti naquele momento. O que poderia fazer? Antes que pudesse agir, o homem pegou o garoto pelo braço e foi praticamente arrastando-o. Logo desapareceu dos meus olhos. Ao redor, todas as pessoas presenciaram aquela cena como se fosse natural. Como se fizesse parte da paisagem. Será que o concreto excessivo daqueles prédios monumentais fez isso? Prosseguimos. Logo chegou o ônibus. O céu nublado deu espaço aos raios do sol que refletia nos vidros do ônibus e que quase não permitia-nos ver a paisagem que pouco a pouco se tornou verde. Nesse momento passávamos em frente ao parque Ibirapuera. Lá as pessoas que avistamos tinham semblantes mais serenos. Um homem com seu cachorro. Caminhadas... uma vida saudável. Distante da selva de pedra relembrei o ocorrido algumas vezes. Pensei que poderia ter feito algo, mas eu não estava sozinha, havia outros olhares naquele instante. E por eles não percebi nem indignação, nem espanto. Será que um dia o olhar será mais humano? Será que um dia não teremos medo das pessoas? No mundo atual, essas são perguntas sem respostas prévias.
Ah! A entrevista foi um sucesso. Contamos para a socióloga e consultora na área de Acessibilidade Marta Gil o ocorrido. Ela por sua vez, assim como nós, ficou indignada. Seus olhos ternos estremeceram. “Puxa, nunca vi algo assim”.

_________________________________________

Para pensar... Trechos Mário Quintana

Deficiências


"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino;
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores;
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês;
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia;
"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.

2 comentários:

Unknown disse...

May!
Adorei o texto... cheguei a visualizar o ocorrido... que coisa, hein?!
Realmente tem coisas nessa vida que apenas observamos sem que possamos fazer algo. Mas só em expor o fato, que não deve ser banal para a sociedade, já é um passo para discussão.
Um abraço!
Mi

Anônimo disse...

É realmente incrível como as pessoas conseguem ser indiferentes ao sofrimento e problemas alheios.
Sabemos que em determinadas situações não ha nada fazer (Como nessa, em que o senhor alcoolizado poderia ser um "familiar" do garoto!), mas nem mesmo indignação?
Como não? Será q é comum?
Sim... Para alguns ja se tronou comum... E sem perceber, a gente, ao longo do dia, repete um ato triste como o que vc viu...

Bjos