04/06/2007

Liberdade de Expressão

Por Mayara Evangelista

Boa Noite e Boa Sorte, dirigido e co-escrito por George Clooney propõe uma reflexão sobre as dimensões da liberdade de imprensa e o papel da mídia na sociedade. Para isto, resgatou a história de Edward R. Murrow o conceituado jornalista âncora da CBS, uma das principais emissoras norte-americanas dos anos 50. A abordagem central é acionada quando Murrow bate de frente com o senador McCarthy, presidente da Comissão de Atividades Antiamericanas, período mais conhecido por “caça as bruxas”, uma alusão aos simulacros da Santa Inquisição, no qual o senador ditava regras e punia qualquer atitude que considerava suspeita.
Na tv dos tempos heróicos o pretexto certo para discordar publicamente da postura adotada pelo Senador, foi encontrado no caso de Milo Radulovich, piloto da Força Aérea acusado de ser espião comunista. O jornalista abriu então um espaço no seu programa See It Now (Veja Agora) para indagar a veracidade da perseguição ao piloto e sofreu ele próprio acusações de ser um criptocomunista, ou seja, um vermelho no armário, isso porque, o senador agia como próprio inquisidor e acreditava piamente que poderia mandar e desmandar absolutamente em todos. O herói do filme por sua vez respondeu a altura todas às acusações levantadas e contribuiu para o fim do “poderio” de McCarthy.
O contexto do filme permite nos colocarmos na posição de Murrow. Os detalhes que o compõe faz com que o realismo das cenas pareçam mais com um documentário do que com a ficção. A começar pelo seu título, Good Night, and Good Luck que era a expressão utilizada por Murrow para se despedir dos espectadores. Podemos citar ainda a gravação realizada em preto-e-branco que remete ao passado, o estúdio esfumaçado pelas fumaças dos cigarros, os ternos e as gravatas do figurino dos anos 50 e especialmente as imagens reais do senador obtidas dos telejornais da época. É válido ressaltar que mesmo com a inserção do jazz em momentos alternados, as cenas continuavam com cortes rápidos, sobretudo, sua característica sóbria com linguagem seca, não deixando espaço para a vida íntima de seus atores, exceto o casal que não podiam assumir-se como tal por ser proibido o relacionamento entre pessoas do mesmo ambiente de trabalho, exposta superficialmente.
Teoricamente, a liberdade de expressão seria um direito compartilhado por todos, no entanto, a pressão do sistema controla e aliena para não perder as rédeas da situação. Embora com características extremamente norte-americanas o filme possui esses valores de interesses globais que auxiliam e dão alicerce para desdobramentos como por exemplo, o fato muitas vezes temos a sensação de estarmos presos, acorrentados em uma caverna, como no Mito da Caverna de Platão, vivendo de sombras. É como se algo maior nos prendesse a um determinado padrão e não tivesse escapatória, sendo vigiados o tempo todo como no clássico 1984 e suas versões até Matrix. A lavagem celebral é profunda o que dificulta desprender-se das correntes e alcançar a luz; mais complexo ainda alcançar um conhecimento diferenciado e ter a liberdade de transmiti-lo. É fato que a Indústria Cultural é uma das grandes responsáveis por essa disseminação, que nos faz fantoches de regras impostas sem prévia explicação e o que é pior não tendo aval para produzir livremente, questionar e discordar do poder vigente.
Infelizmente, há uma visível manipulação de informações, jogos de interesses que não prioriza em nada o nosso saber. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, diz em seu artigo 19: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios independentemente de fronteiras.” Exatamente assim deveria ser, porém devido a essas “partidas” com investimentos financeiros altos ficamos de mãos atadas. No caso de Murrow o embate foi ferrenho, ele desafiou ninguém menos que McCarthy e teve seu programa mudado para um horário ingrato. Ele foi corajoso, mas sofreu as conseqüências isso não aconteceria se a liberdade de expressão na democracia funcionasse como o artigo prevê. Estamos amarrados a interesses que vão além do nosso imaginário e vontade, por exemplo, quando somos submetidos a empresas jornalísticas que visam retorno financeiro. Não podemos esquecer dos meios alternativos encontrados em outros segmentos, todavia não sanam o problema pois são destinados a grupos e não para a grande massa.
A essência investigativa do jornalismo tem o poder de informar e formar, prestar um serviço social. Na história, vários são os casos jornalísticos que revolucionaram e mudaram o curso dos fatos, como exemplo podemos citar o caso de Watergate que com o Garganta Profunda levou Nixon presidente na época dos EUA a renuncia. Murrow sempre assumiu o papel de porta-voz de todos aqueles que lamentam a utilização da tv meramente como um veículo de desinformação e entretenimento banal ao invés de ser o instrumento da prestação de serviço por excelência, formação e busca da verdade.
A postura adotada por Murrow foi admirada por muitos dos seus colegas de profissão, justamente por não estar inserido na sintonia do modelo-padrão, ele acreditava no poder da mídia na educação e conscientização populacional. Tanto é verdade que em seu discurso diante da Associação de Diretores de Notícias de Rádio e TV dos EUA em 1958 afirmou: “àqueles que dizem que o povo não assistiria (a uma programação mais voltada à reflexão), que não estariam interessados, que são demasiadamente complacentes, indiferentes e isolados, eu posso somente responder: há, em minha opinião de repórter, consideráveis evidências contrárias a essa opinião. (...) Este instrumento pode ensinar, ele pode iluminar, sim, e pode até mesmo inspirar. Mas somente o poderá fazer à medida que estivermos determinados a usá-lo para estes fins. Caso contrário, ele nada mais é do que um emaranhado de fios e luzes em uma caixa. Há uma grande e talvez decisiva batalha a ser travada contra a ignorância, a intolerância e a indiferença. E nessa batalha, a televisão pode ser uma arma útil”.
A ética e a determinação de Murrow fazem falta nos dias atuais, retomando as próprias palavras do nosso “herói” o jornalismo contribui para a formação e deve conduzir o povo a reflexão de suas vidas e dos fatos que ocorrem em sua volta. A liberdade de expressão é um direito conquistado, entretanto pouco vivenciado. É muito mais cômodo aceitar a submissão do que se expor e agüentar as conseqüências. Cada vez menos, temos pessoas que estão dispostas a travar batalhas pela sua verdade. O filme Boa Noite e Boa Sorte mais do que nos levar para o passado nos proporciona uma discussão no presente.

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