17/05/2007

Ironia do Destino

Por Mayara Evangelista


São 7h30 da manhã. Nosso ponto de encontro é a estação de trem de Itaquera, zona leste de São Paulo. O caminho é longo, temos como destino Estação Jaguaré, zona oeste, no Shopping Villa Lobos. As expectativas são grandes, vamos assistir à palestra do famoso jornalista Gilberto Gimenstein sobre responsabilidade social no auditório da livraria Saraiva. No entanto, o que não podíamos prever era o nosso trajeto e o que, ou melhor, quem iríamos encontrar.
Dezenas pessoas na espera do trem. Vagões lotados. Um aglomerado de pessoas de todos os tipos, parece que todo mundo resolveu sair de casa. Depois das baldeações necessárias de linha a linha da CPTM estamos agora em direção a Presidente Altino. O trem é daqueles antigos como todos da frota, mas aparentemente está conservado. As portas se abriram vimos três lugares vazios, enfim sentaríamos. Os bancos estão dispostos de modo que ficamos literalmente na frente do outro. Ao meu lado um senhor simpático apresentou-se com um ar solicito e muito gentil. Uma pergunta bastou para iniciarmos uma conversa descontraída como se fossemos velhos amigos.
Francisco Oliveira Neto, 28 anos, estava a caminho do trabalho. Meio a sorrisos ele fala com emoção de sua terra natal, Teresina no Piauí. Há oito anos em São Paulo ele afirma que não se arrepende da mudança. Amante do teatro veio para esta capital em busca de realizar o sonho de ser um ator reconhecido. Aqui, já atuou em Teatro de Rua e embora esteja afastado ele conta com satisfação, do que ele chama de “dom”.
Neto formou junto com amigos, que fez em São Paulo, o Grupo de Teatro Pé na Jaca, segundo ele esse nome foi escolhido porque eles “chegavam e faziam, improvisavam se preciso”. Com histórias engraçadas sobre essa experiência ele enfatizou como é difícil fazer Teatro de Rua, “No Teatro de Rua a gente tem que chamar atenção, não é como o teatro ‘normal’ que tem palco que as pessoas vão para te ver”. Certa vez, nos conta nosso ator, teve que assumir na hora da apresentação do espetáculo mais dois papéis além do seu, porque os colegas ficaram com vergonha do público e desistiram.
“Olha o bombom Choquito. Um é cinqüenta, três é um real”, abruptamente fomos interrompidos por um vendedor ambulante. “Calma, calma. Não é briga não” disse ele imaginando que estivéssemos assustados com os gritos.
Atualmente Neto é vigia de uma loja, como trabalha todos os dias da semana teve que deixar sua paixão “por agora” como afirma, com esperança de retornar a atuar com os amigos, que desanimados com a saída dele foram um a um desistindo também. “Eles disseram que sem mim não é a mesma coisa e quando eu voltar eles voltam” Vários foram os ensaios que participou, uma vez por pouco não conquistou o papel em uma peça, ele diz que a diretora discriminou-o por ser nordestino. “Ela disse que eu tinha ido bem, feito tudo certinho, mas que era para tentar outra vez”. Pela janela observamos aquela paisagem até então desconhecida para nós, vivenciamos a cada palavra as ilusões de uma vida melhor, talvez um conto de fadas como “artista de televisão”. “Estação Presidente Altino” anuncia o maquinista, nos preparamos para descer. Na despedida o nosso novo amigo ficou impaciente, “Espera, espera, vou dar meu cartão para vocês”. Não esperávamos aquela atitude. Ele revirou a mochila que trazia no colo até que encontrou os cartões, estendeu a mão e nos deu. O apito final soou, a porta fechou tivemos que descer na próxima estação, Osasco.
Acenando pela janela víamos Neto com sorriso tímido e fraternal, nossa sensação era ver partir um velho amigo. O cartão era simples, um pedaço de papel sulfite envelhecido, que dizia: Eletricista FRANCISCO NETO Serviço e Manutenção Elétrica. Reforma e Instalação nova em geral”. Que ironia, um ator/vigia e ainda eletricista. Ele é um típico brasileiro, se vira como pode e com seu “jeitinho” sobrevive meio a cidade cinzenta.
Continuamos nosso trajeto com a imagem dele na mente e o inicio de sua história anotada em um bloquinho de papel.

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